A ActionAid, uma organização global que trabalha para promover os direitos humanos, lançou no dia 8 de agosto, a campanha Cidades seguras para as mulheres, durante o Encontro Nacional do FNRU (Fórum Nacional de Reforma Urbana), no Rio de Janeiro.
A campanha foi organizada por mulheres de diversas localidades e comunidades de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e São Paulo, que já estavam cansadas de viver em viver em lugares que tomam o masculino como o universal e não pensam políticas públicas para elas.
Há tempos que a lógica do capital se deu conta da importância das mulheres para o seu funcionamento. Produtoras de seu bem mais valioso, a mão-de-obra, a mulher passou a ser tratada como alguém a ser protegida, e assim, colocada como frágil, como alguém incapaz, secundária, e que, portanto, deveria ficar em casa. Dessa forma, o espaço público começou a ser pensado com base nos papéis sociais estabelecidos: para as mulheres, o doméstico, o reprodutivo; para os homens, o público, o produtivo. O resultado é vivido por mulheres todos os dias: assédios verbais e físicos, sistema educacional reprodutor dos papéis de gênero que limitam seus comportamentos, ruas escuras, policiais extremamente mal instruídos para receber casos de agressão, etc.
Com o passar dos anos, as mulheres foram conquistando espaço na sociedade e as cidades acompanharam de certa forma sua evolução. Acontece que, muitas vezes, de acordo com as pesquisas realizadas pela ActionAid, o tratamento dispensado pelos poderes públicos às questões que afetam a segurança das mulheres nas cidades se baseia hoje em um contexto de naturalização da violência e do assédio: por acreditar-se que as coisas são como são, o “combate” aos problemas se dá principalmente através de medidas de prevenção que sugerem que as mulheres devem deixar de usufruir plenamente da cidade. São recomendações como evitar sair de casa depois de certa hora, procurar andar em grupos e não caminhar por determinada área.
Por isso, ainda é preciso aprofundar a discussão e pensar medidas que tratem da questão sem restringir a mobilidade das mulheres. A violência e o assédio contra a mulher devem ser desnaturalizados. Precisam ser entendidos como uma questão estrutural. É este o serviço que a campanha presta à sociedade: propor mudanças que buscam resolvê-los e, ao mesmo tempo, garantir o pleno acesso das mulheres às cidades.
Para tanto, a ActionAid fez um trabalho de dois anos de ouvidoria com mulheres de diferentes locais do Brasil à respeito da limitação do direito à cidade que sofrem diariamente. Parte dessa ouvidoria foi a construção de uma Linha de Base que sistematizou a percepção das mulheres ouvidas sobre a relação entre sua vulnerabilidade à violência nos espaços públicos e a debilidade dos serviços públicos oferecidos nas cidades.
Entre os relatos, há o depoimento de Neusa Helena, “Neusinha”, moradora do Jardim Clímax, em São Paulo, sobre a precariedade do policiamento: “Tem momentos que a gente teme pedir ajuda para a polícia, por conta de histórias que a gente já ouviu, (…) de você pedir uma ajuda e ser tratada com desdém, com desrespeito. Eu acho que deveria ter mais policiamento sim, mas com uma polícia diferente da que a gente vê hoje, uma polícia com outra formação, outro pensamento.”. Apesar de grave, o caso é muito mais comum do que se imagina. O trabalho resultou numa Carta Pública, chamada Carta Política das Mulheres, na qual a ActionAid aponta o problema e apresenta a solução, cobrando o empenho dos prestadores de serviços públicos em serviços básicos, como transporte, iluminação, policiamento, moradia e educação. Um exemplar da carta foi entregue ao ministro Gilberto Carvalho, Secretário-Geral da Presidência de República, ao final da reunião no dia 8.
Leia aqui a Linha de Base, com a sistematização da percepção das mulheres ouvidas na pesquisa